quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O Livro da Bruxa - 15º Capítulo

Jogo

Saímos do restaurante e voltamos a passear pela praia. Caminhamos apenas alguns minutos, pois o sol estava muito quente, e resolvemos nos sentar num banco à sombra.
Bem à nossa frente, um grupo de jovens disputava uma animada partida de voleibol. Os times eram mistos, e os jovens estavam levando o jogo a sério. Ao lado, outros garotos e garotas esperavam a vez de jogar.
Poucos minutos depois uma das equipes foi derrotada e saiu. Outra entrou no lugar para uma nova partida. - Por qual equipe você vai torcer? - ela me perguntou.
- Não sei. Deixe-me ver...
- Escolha uma antes do jogo começar - sugeriu.
- Acho que a turma que está entrando agora vai ganhar. Vou torcer por eles - respondi, entusiasmado.
Em pouco tempo a partida ficou bastante disputada. Ninguém queria deixar a bola cair, e os lances tornaram-se emocionantes.
Fiquei completamente entretido com o jogo. Depois de quase trinta minutos de disputa, a equipe que eu havia escolhido conseguiu uma vitória apertada.
- Ganhamos! - exclamei.
A bruxa fitou-me com um olhar curioso.
- Ganhamos? - perguntou.
Achei que ela não conhecesse as regras do jogo.
- É! ganhamos! A equipe que escolhemos ganhou a partida.
- Você acredita mesmo que ganhou da outra equipe? - perguntou.
- É claro. Fizemos mais pontos. Ganhamos - repeti.
- Olhe novamente para os jogadores e responda: quem você acha que se divertiu mais? Os jogadores da equipe que fez menos pontos ou você? - sugeriu.
Os jovens estavam se provocando mutuamente em tom de brincadeira. Uns estavam deitados na areia, alguns bebiam água, e outros comemoravam ou pediam uma revanche. Era uma festa animada. Não conseguia mais distinguir quem fazia parte de qual time. Fiquei sem saber o que dizer.
A bruxa virou-se para mim.
- É muito mais divertido ser jogador do time derrotado do que torcedor do time vencedor - comentou.
- Você tem razão - admiti, boquiaberto.
- Quando participamos, aprendemos e nos divertimos. Não há perdedores entre os que participam - disse.
Os jovens já começavam a se organizar para uma nova partida.
- Você não está sugerindo que eu entre num dos times para jogar, está? - perguntei.
- Se você for, tenho certeza de que aproveitará muito mais. Há uma enorme diferença entre participar e ficar na platéia. Entretanto, acho que o calor está demais para pessoas da nossa idade se aventurarem numa atividade física. Talvez mais tarde fosse um horário melhor - provocou.
- Por que você me pediu para escolher uma das equipes para torcer? - perguntei.
- Para você perceber como aceitamos facilmente a posição de torcedores.
Por outro lado, se eu tivesse sugerido a você para entrar no jogo...
- Foi para mostrar que continuo insistindo em permanecer na confortável posição de espectador, não é?
- Não só você. Estamos falando de todas as pessoas que abrem mão de participar e canalizam suas energias apenas para torcer pelas outras. É o desperdício do bem mais precioso que possuímos. Bilhões de pessoas adoram assistir aos jogos, mas poucas participam. Bilhões de pessoas apreciam livros, mas poucas escrevem. Bilhões gostam de ouvir música, mas poucas tocam. Bilhões adoram aventuras, mas poucas as vivenciam.
- Estou encaixado em todas essas categorias - confessei.
- Foi por isso que eu lhe disse que você estava apenas descrevendo locais maravilhosos a partir de mapas. É preciso participar. É para isso que estamos vivos.
- Acho que o medo de não ser capaz de fazer bem-feito é o grande obstáculo - comentei.
- Como vamos aprender algo novo sem admitir a possibilidade de errar? Preservar-se alegando medo de errar é um desperdício de vida. Por isso as crianças são superiores. Elas admitem que não sabem e fazem questão de participar de tudo. Se você fosse uma criança, estaria fazendo de tudo para entrar no jogo. As crianças não aceitam ficar assistindo. Os adultos têm medo de tudo. Você relutou um bocado até concordar em vir comigo à praia hoje pela manhã.
- Foi uma questão de responsabilidade profissional - argumentei.
- Dar outros nomes ao seu medo não o torna menos aprisionador.
- Está bem, confesso. Fiquei com medo de enfrentar uma situação nova. Afinal, não é todo dia que uma paciente me faz trazê-la à praia - declarei.
- A rotina é parte de nossa armadura. Protege, mas limita. Viver uma rotina na qual somos apenas torcedores é ainda mais limitante. Quantas pessoas, ao saberem que você é médico, já lhe disseram que também desejaram estudar medicina, mas que, por um motivo ou por outro, tiveram de abandonar esse sonho?
- Já ouvi essa história algumas vezes - respondi.
-As pessoas abrem mão de seus sonhos com uma facilidade espantosa.
Depois, quando ficam mais velhas, lamentam-se de tudo o que gostariam de ter feito e não fizeram. É muito triste.
Ajeitei-me, buscando uma posição mais confortável.
- No fim, só nos arrependeremos das coisas que não fizemos, não é? - perguntei.
- É, mas não vá me deixar aqui falando sozinha e entrar no jogo agora - brincou.
Os jovens já estavam se posicionando para iniciar uma nova partida.
- Agora não. Como você disse, o sol ainda está muito forte. Talvez na próxima... - ameacei.
- Vou querer ver - provocou.
- Escolha um time para torcermos - sugeri.
- Qualquer um. Ambos serão vencedores.
- Tem razão.
E fiquei assistindo ao jogo com uma incrível vontade de participar.

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