terça-feira, 23 de novembro de 2010

O Livro da Bruxa - 18º Capítulo

(O livro já esta quase no final, termina no capítulo 21!)

Livros

Deixamos o carro estacionado e saímos passeando a pé pelas ruas do porto.
- Gostaria de escrever sobre essa nossa viagem e as coisas que estou aprendendo com você - comentei.
- Pode escrever, mas ninguém irá acreditar que esta viagem aconteceu de fato. Vai escrever em seus artigos na revista? - perguntou.
- Pensei em algo mais ambicioso: um livro - declarei.
Ela sorriu, mostrando sua aprovação.
- Saiba que um livro exige mais responsabilidade. As pessoas costumam levar os livros a sério. Elas os compram, lêem e guardam. Às vezes, até incorporam algumas idéias às suas próprias vidas. Quando gostam, os dão de presente ou os emprestam aos amigos. Portanto, se pretende mesmo escrever um livro, prepare-se para uma responsabilidade maior.
- Que tipo de responsabilidade?
- Como autor, você ficará exposto. Algumas pessoas irão adorar, enquanto outras vão criticá-lo pelos mais diferentes motivos - sentenciou.
- Não importa. Não me incomodarei com as opiniões. Vou apenas escrever o livro e deixá-lo seguir seu próprio caminho - desdenhei.
Ela franziu a testa, sublinhando minha prepotência. - Você já sabe como fazê-lo? - perguntou.
- Ainda não. Para ser sincero, não tenho a menor idéia. Além disso, ao contrário do que possa parecer, tenho muita dificuldade para escrever.
Quando minha professora do primário disse que eu já sabia escrever, estava enganada. Desde aquela época, sofro muito quando tenho de fazê-lo.
Você tem razão, escrever um livro deve ser muito complicado. Pensando bem, acho melhor deixar essa idéia para lá - concluí.
Caminhávamos lentamente, sem destino.
- Vai desistir só porque acha que vai ter trabalho? Pretende continuar descrevendo mapas ou vai começar a tornar sua vida especial? - repreendeu-me.
- Não sei se...
- Escrever é muito fácil - interrompeu-me. - Em primeiro lugar, você precisa de um pequeno caderno e uma caneta. Mantenha-os sempre com você. Nele você anotará suas idéias no momento em que elas lhe ocorrerem, pois, se deixar para depois, irá esquecê-las. Escreva uma ou duas linhas para cada idéia, apenas para poder relembrá-las. Aliás, vamos começar já.
Pegou a pequena agenda em sua sacola, retirou uma folha em branco e passou-a para mim. Em seguida, emprestou-me uma caneta.
- Por enquanto, escreva nesta folha. Depois providencie seu próprio caderno - instruiu.
Agradeci e só para provocá-la fiz uma anotação e a li em voz alta: “Não esquecer de comprar meu próprio caderno e minha caneta”.
Ela ignorou minha isca e continuou sua explanação.
- O passo seguinte é imitar quem já fez.
- Imitar quem já fez o quê? - perguntei.
- Quem já fez um livro. Pegue um livro e copie-o - recomendou.
- Copiá-lo? Como assim?
- Escolha um livro que você tenha gostado. Pegue um caderno e comece a copiá-lo. Reserve algum tempo e copie o livro desde o início.
- Minha nossa! Dependendo do livro, ficarei meses copiando-o. Sinceramente não tenho força de vontade para tanto - exclamei.
- Não é necessário copiar o livro todo, bastam algumas páginas. Três ou quatro páginas são suficientes. O objetivo é familiarizá-lo com o estilo do autor, a montagem dos parágrafos, a estrutura dos diálogos, a construção dos capítulos, e assim por diante.
- E depois? - indaguei.
- Em seguida, você deve fechar o livro e continuar a história por sua própria conta. Quando terminar, bastará modificar o início, e você terá escrito seu livro.
Arregalei os olhos diante da aparente simplicidade da receita.
- O problema é me disciplinar para escrever um pouco todos os dias. Esta será, sem dúvida, minha principal dificuldade - argumentei.
- Você mesmo disse que atingir o limiar é como escovar os dentes.No início precisamos ser obrigados, depois passará a ser um hábito.
- E quem me forçará a escrever?
- Você mesmo. Mas, se precisar de ajuda, diga aos seus amigos que está escrevendo um livro. Se fizer isso, eles o forçarão a escrevê-lo. As pessoas adoram cobrar umas às outras. Depois de anunciá-lo, você terá de
escrevê-lo. A não ser que queira passar por mentiroso - advertiu.
- Adoro você. Sempre tem solução para tudo. O que mais preciso saber para escrever o livro?
- Um texto é como uma música: precisa ter ritmo e variações. Ouça músicas suaves enquanto escreve, e elas o ajudarão a definir o ritmo - sugeriu.
- Espere um segundo. Deixe-me anotar esta receita para fazer livros - pedi.
Ela balançou a cabeça, divertindo-se com minha atitude.
- Basta você não complicar. Escreva uma história pequena, com letras grandes e palavras fáceis. Ninguém deve passar a vida lendo um livro gigantesco ou tentando entender um texto muito complicado. Precisamos
viver nossas próprias aventuras; portanto, faça tudo o mais simples possível - recomendou.
- E se eu tiver muita coisa para contar? - provoquei.
- Faça vários livros pequenos. Os livros grossos só servem para escrever o nome do autor com letras grandes na lombada e chatear os leitores.
As coisas importantes são simples e óbvias. Não são necessárias muitas palavras para falar sobre elas.
- Essa idéia é interessante - exclamei. - Vou anotar para não esquecer de colocá-la no meu livro.
- Sobre as coisas importantes serem simples?
- Não. Sobre sua teoria de que os livros grossos só servem para chatear os leitores - menti para irritá-la e ri.
Ela retrucou meu gracejo.
- Não me provoque ou serei obrigada a escrever um livro antes do seu - desafiou.
- Agora é que vou provocá-la para valer - ameacei. - Adoraria ler seu livro.
- Ainda não vou escrevê-lo porque tenho outras prioridades. Além do mais, como todas as grandes bruxas, quero manter meu anonimato.
- Então você está perdida, pois vou escrever tudo no meu livro. Diga adeus ao anonimato. Em breve, todos saberão da sua existência - decretei.
- Pode escrever à vontade, ninguém acreditará. Pensarão que eu sou um produto da sua imaginação - sentenciou.
- Se isso acontecer, vou apresentá-la e deixar todos de queixo caído - rebati.
- Isso não será possível. - Por que não?
- Porque estou partindo em viagem.
Ao dizer isso, apontou para um enorme transatlântico ancorado à nossa frente.
Julguei ser uma brincadeira, mas logo vim a saber que não o era.

Links para os capítulos anteriores:

1º Capítulo, 2º Capitulo, 3° Capítulo, 4º Capítulo, 5º Capítulo, 6º Capítulo, 7º Capítulo, 8º Capítulo, 9º Capítulo, 10º Capítulo, 11º Capítulo, 12º Capítulo, 13º Capítulo, 14º Capítulo, 15º Capítulo, 16º Capítulo, 17º Capítulo,

Um comentário:

Rosana disse...

Que pena já estar quase no final! A estória é maravilhosa e tem muitos ensinamentos bons.
Agradeço pela excelente leitura que tem proporcionado aos visitantes do blog.
Abraços e sucesso,